sábado, 12 de dezembro de 2020

O meu coração não bate certo! O que faço?

A sensação de batimento inapropriado ou palpitações é uma das queixas que mais vezes leva as pessoas ao Cardiologista.

As pessoas podem sentir e descrever de diferentes formas. A maioria refere que o "coração dá um salto" ou "parece que faz uma pausa" e " depois dá um batimento mais forte". Por vezes podem dizer "que acelera sem motivo" durante uns segundos. Outras vezes nem sentem nada e apercebem-se ao medir o pulso ou a pressão arterial que o coração não bate certo. Mas existem muitas formas de descrever que "coração não bate certo".

Quando as pessoas sentem que o coração não bate certo, na maioria das vezes ficam extremamente preocupadas e procuram ajuda no médico assistente ou cardiologista.

Mas há motivos para ficar preocupado?

Na maioria das vezes não. O nosso coração apesar de ser uma "máquina" quase perfeita não bate 100,0% certo. A maioria das pessoas podem ter num registo de ECG de 24h (Vulgo Holter) batimentos irregulares. Os mais frequentes que são também os mais benignos são "extrassístoles". São batimentos que "vem antes do tempo" e que na maioria das vezes são seguidos de uma "pausa" compensadora. Acontece que a maioria das pessoas (mesmo as tendo) não as sente! Apenas uma pequena percentagem das pessoas as sente, e quando isto acontece claro que ficam preocupadas. No entanto, na maioria das vezes são uma entidade benigna.

E então o que devem fazer?

Devem ir ao médico assistente ou Cardiologista que lhe fará avaliação clínica. Sabemos que tudo o que são estimulantes tais como café, chá, álcool ou drogas pode levar a palpitações. A ansiedade, o stress e a falta de descanso são também fatores precipitantes. E depois qualquer condição clínica (por exemplo Hipertensão arterial, Angina de Peito, Hipertiroidismo, mesmo Enfarte agudo miocárdio entre outras) pode despoletar palpitações, pelo que é obrigatório além de uma avaliação médica a realização de um estudo analítico com função tiroideia. É também obrigatório realização de eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma. Se as palpitações forem frequentes (e sobretudo se forem demoradas) irá ser pedido também um Holter de 24h ou um Registador de Eventos que são exames para tentar documentar a que correspondem as palpitações.

Se a avaliação clínica e os exames forem normais o prognóstico é excelente.

Ou seja, na maioria das vezes o coração pode não “bater certo”, mas o que interessa é que “bata bem”!!

 


Por outro lado, havendo documentação de alguma alteração será também uma oportunidade para tratar. Por exemplo a Hipertensão arterial é uma doença que não estando controlada pode levar a palpitações. O médico tratará sempre primeiro o fator precipitante, sendo que se persistirem e condicionarem a qualidade de vida da pessoa, existem vários tratamentos para eliminar a sensação de palpitações. O cardiologista explicar-lhe-á os tratamentos mais adequados.

Atenção que sobretudo se as palpitações forem descritas como uma “aceleração que não passa” devem ser avaliadas com maior urgência pois podem corresponder a arritmias cardíacas que precisam de estudo e tratamento mais precoce.



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O que é um sopro no coração?


Verifico na minha prática clínica diária ainda muita confusão neste tema, pelo que aqui ficam umas FAQs de esclarecimento.

Mas o que é um sopro cardíaco?
É um som que parece “um sopro” que os médicos ouvem na auscultação cardíaca com recurso ao estetoscópio.

Mas para que serve o estetoscópio? Pensei que era só para o estilo…
Não, o estetoscópio é um aparelho que aumenta os sons quando colocado sobre a estrutura em questão. Funciona como um “amplificador”. Mas muitas vezes os sons cardíacos são audíveis apenas encostando o ouvido à caixa torácica. Se o fizerem, na maioria das vezes conseguem ouvir um “Tum” “Ta” “Tum” “Ta” que é provocado pelo processo de encerramento das válvulas que existem no coração, correspondendo a sons cardíacos normais. Os sopros por outro lado, como são menos intensos, frequentemente são apenas perceptíveis com estetoscópio. Mas não é invulgar ouvirem-se apenas com o ouvido encostado à caixa torácica. 

Mas porque ouvimos um sopro?
Para se ouvir um sopro a maioria das vezes tem que haver velocidades aumentadas no coração, ou um gradiente de pressões entre dois locais. Vamos fazer uma analogia: Se encostarem o ouvido a um cano com água a circular no seu interior. O que vão ouvir vai depender de uma série de factores, mas se aumentarem a velocidade que circula no seu interior muito provavelmente irão ouvir um “sopro”. Se criarem uma obstrução dentro do cano, no local da obstrução há aumento das velocidades e também irão ouvir um “sopro”.

Mas os sopros significam doença no coração?
Nem sempre. O sopro pode ser devido apenas a velocidades aumentadas, como acontece quando ele bate mais depressa (taquicardia) em caso de febre, anemia, hipertiroidismo, etc. É também esta uma das razões que contribui para não ser invulgar ouvirmos sopros nas crianças. A frequência cardíaca nos bebés é mais alta que nos adultos, e por isso a presença de um sopro nesta faixa etária não tem necessariamente valor patológico. É o que os médicos chamam sopro benigno ou inocente, que na maioria dos casos, desaparece com a idade.
Mas o sopro pode significar patologia e merece ser investigado sobretudo se existirem sinais ou sintomas associados como cansaço fácil, “falta de ar”, dor torácica, palpitações ou lábios “azuis” e atraso no crescimento. 
Os sopros patológicos quase sempre são causados por alterações estruturais no coração, algumas delas congénitas (já nascemos com elas) outras que vão surgindo com a idade. Na maioria dos casos essas alterações são nas válvulas cardíacas. Essas válvulas podem ser estenóticas, dificultando a passagem do sangue de uma câmara para outra, o que leva aumento de velocidades, gradiente de pressões e auscultação de um sopro. Também podem ter alterações que façam que não “fechem bem” originando insuficiência, velocidades aumentadas e à documentação de sopro.

Mas como sei se o meu sopro é “bom” ou “mau” ?
Por vezes o médico apenas com base na história clínica e exame físico consegue perceber se o sopro é patológico, mas frequentemente é necessário fazer uma ecografia ao coração (ecocardiograma) que permite avaliar se o mesmo tem algum problema estrutural que o cause. Se não for identificada nenhuma causa no ecocardiograma muito provavelmente o sopro é benigno.

Tenho um sopro, mas não sinto nada. Tenho que me preocupar?
A maioria das pessoas que tem um sopro patológico não tem qualquer sintoma associado. Infelizmente muitas entidades que causam sopros, só causam sintomas numa fase avançada da doença. Por isso é que é muito importante a vigilância do problema no coração que está a causar o sopro.

Ok já percebi. Mas o que posso fazer para trata-los?
O tratamento vai depender da causa, e na maioria das vezes só se impõe quando as alterações no coração que levam ao “sopro” são graves e/ou começam a dar sintomas. (Cansaço fácil, “falta de ar”, dor torácica ou palpitações, etc.). Sendo grave ou causando sintomas o tratamento será quase sempre invasivo, quer com recurso a cirurgia cardíaca ou com cateterismo cardíaco.

Posso fazer alguma coisa para preveni-los?
Assim que estão identificados como de carácter patológico, devem ser monitorizados, pois podem passar anos sem nenhuma progressão ou tornar-se graves dentro de 1 ou 2 anos. Deste modo é muito importante a monitorização clínica e/ou com exames no seu médico assistente.

Não percebi nada. O que faço?
Leia tudo outra vez.  :)

Espero ter ajudado.

Havendo alguma questão estou ao dispor para (tentar) esclarecer...

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Morte súbita no desporto

O primeiro tema que publicarei é sobre morte súbita no desporto. E o que poderemos fazer para prevenir esta entidade. Este artigo foi publicado em colaboração com o Departamento médico da Federação Portuguesa de Ciclismo do qual sou consultor para a Cardiologia.
Estarei ao dispor para alguma questão.















“Morte súbita no desporto. Podemos preveni-la?”
Dr. Vasco Alves Dias, Consultor de Cardiologia da Federação Portuguesa de Ciclismo
Dr. Nuno Loureiro, Director clínico da Federação Portuguesa de Ciclismo

O problema em perspectiva
A morte súbita é uma entidade que se define como morte de causa cardíaca, que ocorre de forma inesperada e que se consuma habitualmente dentro de uma hora após inicio dos sintomas. Trata-se de um fenómeno raro nos jovens atletas e com incidência crescente com a idade. Estima-se que a incidência anual seja 1: 200.000 nos EUA e 1:100 000 na Europa (Itália). Nos atletas com idade superior a 35 anos, a incidência anual situar-se-á entre 1:15.000 e 1:50.000.
Apesar de rara, a morte súbita no atleta tem um impacto muito significativo na sociedade, pela mediatização dos casos e pelo ideal de invulnerabilidade e imortalidade que temos dos atletas.
Se aconteceu a um jovem que pratica desporto de forma regular, qual será o risco da população em geral? Esta é uma questão que muitas pessoas colocam.

Mas afinal o exercício faz bem ou mal?
Indiscutivelmente a prática de exercício físico de forma regular, moderada e orientada é um hábito gerador de saúde e que confere melhoria de prognóstico vital. No entanto a prática de exercício intensivo que habitualmente ocorre em muitos desportos de alta competição, poderá aumentar paradoxalmente o risco de morte súbita em relação à população em geral. Este facto tem sido estudado sabendo-se que o “stress físico e emocional” intensivo poderá desencadear eventos em pacientes com doença cardíaca previamente insuspeita. Ou seja, poderá funcionar para “desmascarar” um problema que sempre esteve lá.

E quais são as doenças que causam morte súbita no atleta?
As causas dependem da idade, sendo que em indivíduos com mais de 35 anos a principal causa é o enfarte agudo do miocárdio (EAM), que ocorre devido à formação de placas (de gordura) ateroscleróticas nas artérias coronárias, que são as artérias que irrigam o coração. Os factores de risco para esta doença são: Hipertensão arterial, Obesidade, Tabagismo, Diabetes, Colesterol e/ou Triglicerideos elevados entre outros.
Nos atletas mais jovens as causas são sobretudo devido a alterações estruturais existentes no coração. As mais frequentes são: miocardiopatia hipertrófica que é uma doença genética relativamente frequente (1:500) que se caracteriza por um aumento anormal e exagerado do músculo cardíaco que predispõe ao aparecimento de arritmias malignas. Outra doença é a displasia arritmogénica do ventrículo direito (a causa mais frequente no registo italiano) que também têm um forte carácter genético e se caracteriza por uma infiltração adiposa no ventrículo direito. Outras causas nesta faixa etária incluem anormalidades congénitas nas coronárias, na artéria aorta, problemas nas válvulas cardíacas ou alterações da condução elétrica no coração. (Síndrome de Wolf-Parkinson-White, QT longo, Brugada, etc)

E o que podemos fazer para prevenir a morte súbita?
Neste contexto, faz sentido falar de programas de rastreio de doença cardíaca nos atletas, programas estes que existem nos desportos federados em Portugal, onde é obrigatório a realização de exame médico-desportivo para a prática de desporto. Este exame consiste num questionário médico, complementado com realização de exame físico e um electrocardiograma. Mediante os resultados deste exame, o médico examinador poderá entender que é necessário complementar o estudo cardíaco com realização de mais exames. (Que poderão incluir ecocardiograma, prova de esforço, ressonância magnética cardíaca, entre outros).
Mas quantos atletas não federados existem em Portugal? Sabemos que a prática de desporto intensivo não é exclusiva de atletas de alta competição e que muitas pessoas praticam alguma forma de desporto com regularidade e intensidade significativa. A questão que se coloca é o que podem fazer estes atletas? Este é um tema que divide a opinião Médica Mundial, havendo duas grandes correntes: A Europeia (Italiana) que preconiza a realização de questionário médico e electrocardiograma a todos os atletas e a Americana que recomenda apenas questionário médico. Nos últimos anos tem havido evidência crescente que a corrente europeia talvez seja a mais adequada, e o custo-benefício da inclusão do ECG parece ser favorável. O grande desafio é como executar esse rastreio e torná-lo acessível a todas as pessoas. A altura ideal é a idade escolar, pois é na escola que muitas vezes se começa a fazer desporto de forma mais intensiva, e seria uma forma de rastrear o maior número de pessoas. Outra forma seria a consciencialização das pessoas, através de acções de informação/formação à comunidade dos sintomas/sinais de alerta.

Mas como identificar essa população de risco?
Na tabela 1 estão enunciadas as questões mais importantes que devemos colocar antes da prática de exercício físico. Na ausência destes factores de risco e com electrocardiograma normal o risco de morte súbita no desporto é extremamente baixo.

E se responder afirmativamente a qualquer destas questões, não posso fazer exercício físico?
Claro que sim, no entanto pode estar contra-indicada a prática de desportos de elevada intensidade. Por isso é obrigatório, que seja acompanhado e aconselhado, por um Médico Especialista em Medicina desportiva ou Cardiologista, que lhe irá explicar que tipo de esforços/desportos poderá praticar. Adicionalmente explicar-lhe-á se existe algum tratamento para a doença em questão.

Portanto em resposta à questão; Morte súbita no desporto. Podemos preveni-la?
Definitivamente, sim.

Blogue Cardiologia e afins

Neste blogue tentarei postar artigos de interesse para a comunidade na área da Cardiologia, assim como noticias do meu trajecto profissional ou notícias cardiológicas em geral.
Desde já agradeço os vossos comentários, sugestões ou dúvidas sobre assuntos de cardiologia.